quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Como era em 1927

Por Genésio Körbes

Ele relutava em contratar os gerentes necessários para supervisionar, planejar e coordenar o novo trabalho. Ele continuou a ser o exemplo de um proprietário-gerente. Insistia em tomar as decisões que afetavam todos os aspectos de seu negócio, do planejamento da produção ao projeto do produto, passando por marketing e distribuição. Vangloriava-se da falta de organização formal. Preocupava-se com o produto e sua produção e não a estrutura empresarial ou o avanço na carreira. Não são necessárias reuniões para se estabelecer bons sentimentos entre indivíduos ou departamentos”. Shoshana Zuboff e James Maxmin em seu livro O Novo Jogo dos Negócios, referindo-se a Henry Ford.

Será que qualquer semelhança com um grande número de hospitais brasileiros dos dias de hoje é mera coincidência? Certamente, não!

Historiadores especializados em economia mostraram de modo persuasivo que essa falta de atenção à organização e à administração levou a resultados desastrosos na Ford Motor Company em 1927. Há quase 90 anos, a falta de consideração quanto aos aspectos administrativos e de gestão já fazia suas vítimas no mundo corporativo. Infelizmente, contudo, este quase um século não bastou para que as más experiências do passado servissem de aprendizado, pelo menos não na maioria dos players do segmento de assistência à saúde.

Faz bem pouco tempo que começamos a sentir ventos de progressos na estrutura de gestão e no modelo de produção dos hospitais. Onde esses ventos sopram de verdade e balançam os alicerces, já se estão colhendo frutos importantes. Existem organizações sabidamente organizadas, atuando de maneira sistêmica e estratégica e em consonância com os movimentos e as necessidades do mercado, modelando seu negócio a partir do mapeamento do perfil epidemiológico, associado a um core business definido a partir de estudos consistentes. Tais boas histórias se constroem, em grande parte, graças ao movimento da Certificação.

É uma pena que esses cases bem-sucedidos ainda sejam exceção. Porque ainda há tantos outros serviços de saúde que sequer estão familiarizados com conceitos de gestão, que nunca ouviram essa linguagem ou tiveram interesse em aprender sobre temas como plano estratégico, mapeamento de processos e monitoramento de indicadores. Sim, a maioria ainda tem aversão a toda e qualquer sistematização de gestão, mesmo que se trate de uma mínima estrutura organizacional voltada para resultados. Ainda estão presos aos métodos praticados por Ford em 1927, onde imperava o que o presidente dizia, o que queria e, o pior, como queria.

Antes que alguém pergunte se isto ainda existe, respondo. Existe, sim. Sinto por isso, muito mais do que os leitores possam imaginar. Muitos hospitais e clínicas ainda estão presos às suas origens de pequenas empresas familiares, que cresceram em tamanho, faturamento e número de funcionários, mas ainda não disseram a que vieram. Ou seja, cresceram, apareceram, mas, simplesmente, não amadureceram. Ainda não entenderam que a relação entre o prestador e o tomador de serviço mudou, que o cliente/paciente não é mais um mero coadjuvante passivo do processo de assistência, que a era da informação trouxe a todos o poder de escolher, avaliar e, eventualmente, condenar ao limbo aquela instituição que pisar feio na bola. E, em muitos casos – para meu espanto – ainda ignoram que conceitos como segurança, qualidade e excelência no atendimento norteiam a escolha do cliente, principalmente quando o assunto é a saúde e a qualidade de vida.

Como bem lembrou, em artigo recente, o expert em qualidade no setor hospitalar, Rubens Covello, CEO do IQG Health Services Accreditation, as instituições de saúde se tornaram estruturas complexas. E isso não é um elogio, pois, na maior parte das vezes, tal complexidade se traduz em uma gestão avessa à lógica do mercado e atuação centrada na doença e não na prevenção e promoção de saúde, com base no perfil epidemiológico da população atendida, como haveria de ser.

Portanto, é urgente acontecer uma ruptura na cabeça da organização. No número UM do Hospital. Que ele aceite e abrace o princípio básico segundo o qual um hospital, por menor que seja, necessita de um gestor médico, um administrativo e um assistencial. Profissionais tarimbados, com formação sólida e experiência comprovada. O tempo do “gerente proprietário” já ficou para trás. Isso é coisa do século passado.
Dado este pano de fundo, como atacar e superar os enormes desafios que impedem as organizações de caminhar com a celeridade das inovações e antenados com as novas exigências do cliente? Vejo, neste cenário, dois desafios imediatos:

- Montar uma estrutura para gerir o hospital com métodos de gestão atualizados, envolvendo todos os colaboradores diretos e indiretos e contando com seu comprometimento para, por meio deles, obter os resultados esperados.

-  Investir na atualização da tecnologia, das instalações e da infraestrutura, para que estejam preparados para atender às exigências do mercado.

Notem, o mercado é completamente diferente do que era há 15 anos, logo, não se pode perder tempo. A hora é de ação e não mais de discursos. A hora é de resultados. A hora é de implantar as mudanças. Isso somente é possível com pessoas capacitadas. Profissionais preparados para este novo modelo de atuação. Times bem informados, envolvidos, engajados e comprometidos. Some a esse capital humano uma estrutura organizacional enxuta, que provê acesso a todas as principais e mais efetivas ferramentas de gestão. Pode ser que, em 2027, possamos comemorar as boas histórias não mais como exceção, mas, quem sabe, a regra.


Publicado na Revista Hospitais Brasil Nº 75 de Set/Out 2015. Pág. 72

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