terça-feira, 17 de maio de 2011

Gestão de Processos em Hospitais

Por Jaime Gil Bernardes

Nas organizações hospitalares ouve-se muito que tal assunto, tal atitude é processo, ou ainda, é “processual”.  Mas na realidade as organizações hospitalares e seus integrantes, de uma maneira geral, não conhecem seus processos, cabendo um esclarecimento sobre o que realmente é um processo e de que maneira o conhecimento dos processos pode propiciar melhoria na qualidade e na redução de custos, considerando, neste momento, que qualidade pode ser separada em qualidade percebida e qualidade intrínseca.
Um trabalhador comum, assalariado, dito “tarefeiro”, que cumpre ordens de um modelo burocrático e hierárquico, que muitas vezes não possui nem o conhecimento básico necessário para exercer sua própria atividade, presumidamente não tem condições para entender conceitos administrativos e, ainda, não percebe o que significa “um processo”. E este mesmo trabalhador, um dia será o supervisor e quem sabe o gerente de seu staff, que trabalhará por gestão de processo sem entender realmente o que é isso.
Esta é uma situação que deve ser alterada, face a importância que a análise de processos apresenta, principalmente em organizações hospitalares, onde o produto final é a saúde.
Definir o que é processo e como funciona a interligação entre os processos é um aspecto relativamente simples na indústria, onde é visível a delimitação e as fronteiras dos processos. Mas como funciona nos serviços? Mais complicado ainda, como isso funciona em uma organização hospitalar?
Processo, então, é qualquer atividade que recebe uma entrada (input), realiza uma transformação que lhe agrega valor e gera uma saída (output) para um cliente externo ou interno, fazendo uso dos recursos da organização para gerar resultados concretos.
Almeida define processo como “o conjunto de recursos – humanos e materiais – dedicados às atividades necessárias à produção de um resultado final específico, independentemente de relacionamento hierárquico”. Define, ainda como a sequência de atividades que transforma insumos em produtos finais, ou serviços, de muito maior valor para o cliente final. (ALMEIDA, 2002).
Devemos, entender, ainda, que existe uma hierarquia de processos, assim definidos:
·         Macro processo: é um processo amplo, que geralmente envolve mais de uma função da organização, e cuja operação tem impacto significativo nas demais atividades da organização. Dependendo da complexidade do processo este é dividido em sub-processos.
·         Sub-processo: divisões do macro processo com objetivos específicos, sendo organizado de acordo com as linhas funcionais. Os sub-processos recebem entradas e geram suas saídas em um único departamento.
·         Atividades: Os sub-processos podem ser divididos nas diversas atividades que os compõem, sendo, ainda, detalhados em tarefas. Para fins deste estudo os processos são desmembrados até o nível de atividades. A figura abaixo esquematiza a hierarquia do processo.
Sob o ponto de vista de aplicação de processo como ferramenta para a busca da melhoria da qualidade e da produtividade, Almeida coloca que as atividades devem possuir as seguintes características:
·         Ser interdependentes – sem isso seriam apenas atividades avulsas, que não objetivariam resultados;
·         Receber produtos parciais mensuráveis – se não puder ser mensurado, não se pode avaliar o desempenho;
·         Fazer algo, modificar o produto parcial recebido – agregar valor;
·         Gerar produtos também mensuráveis – se não puder ser mensurado, não se pode avaliar o desempenho;
·         Ser repetitivos (se não for repetitivo não será um processo e sim um projeto)
No acompanhamento da sequência do processo como um todo em uma organização comercial ou industrial, é observando de que maneira um produto ou serviço é alterado dentro da organização, constituindo, desta forma, um processo inter-setorial, conforme mostrado no fluxo abaixo:

           

Observa-se neste fluxo que um produto ou serviço “atravessa” os vários processos de uma organização, sendo que este mesmo produto ou serviço faz que haja uma “integração” entre estes processos. A isso é chamado de transverticalização de processos.
A literatura a respeito da gestão de processos na área hospitalar é pobre, cabendo se basear e adaptar os conceitos aplicáveis na indústria, onde já temos bastante material que pode ser pesquisado sobre este assunto.
Abaixo, é apresentado um quadro comparativo entre as características que diferem a análise dos processos nos serviços, na indústria e nas organizações hospitalares (adaptado de Lowental, citado por Lima-Gonçalves):

Característica
Indústria
Serviço
Organização Hospitalar
Propriedade (quem é o responsável)
Definição geralmente clara
Tende a ter vários donos
Existe uma discussão muito grande na participação do profissional médico no processo, no momento em que ele é responsável pelo paciente, mas, como autônomo, não é integrante da organização.
Fronteiras (pontos inicial e final)
Claramente definidos
Pouco nítidas, difusas
Os processos podem seguir uma linha de ação, mas, tanto no processo assistencial como no burocrático, pode sofrer um revés e voltar para a fase inicial, bem como pular muitas das fases.
Pontos de controle (regulam a qualidade e dão feedback)
Estabelecidos de forma clara e formal
Frequentemente não existem
Alguns existem, conforme protocolos operacionais
Medições (base estatística do funcionamento)
Fáceis de definir e gerenciar
Difíceis de definir, geralmente não existem
Existe, difíceis de controlar
Ações corretivas (correção de variações)
Muito freqüente as ações preventivas
Geralmente ocorrem de forma reativa
Nos processos assistenciais não há possibilidade de ações corretivas. Nos processos administrativos ocorrem de forma reativa.
A análise de processos é muito importante principalmente por que os valores pagos pelos agentes que financiam a saúde, seja o sistema privado ou o sistema público, são baixos quando comparados com os custos de execução operacional, necessitando de constante análise e diminuição destes custos, que se dá em processos cada vez mais enxutos. Aliado a isso, temos que a qualidade intrínseca (efetividade, resolutibilidade, entrega de resultados satisfatórios) e a qualidade percebida (acessibilidade, rapidez, simpatia) tem que ser cada vez maior, face a necessidade de proporcionar a cura ao paciente, bem como proporcionar um atendimento agradável, que o trará de volta quando for necessário.


Portanto, o entendimento e a visão do processo são ferramentas fundamentais na compreensão das interconexões internas e na montagem de ferramentas de gerenciamento. Através desta visão de sistemas, o gestor de uma organização pode estabelecer ações em busca do processo adaptativo contínuo que o ambiente lhe impõe, sugere Bittencourt e Oliveira (2007).
Importante a fala de Nogueira que coloca que “O controle dos processos é absolutamente fundamental porque, de acordo com o Prof. W.E.Deming, de 85 a 95% dos problemas são resultado de falha nos processos, e não de falha das pessoas. Isto é uma incrível mudança de referencial. Diante de um problema, a nossa primeira tendência, em geral, é procurar o ‘culpado’- ‘quem fez isso?’ quando deveria ser ‘por que isso aconteceu?’. Quantas vezes temos visto organizações permeadas pela cultura do medo, em que as más notícias devem ser ocultadas, maquiando-se dados, e, quando não houver nenhuma maneira de ocultá-las, é melhor que se coloque a culpa em outro – alguém tem de ser o bode expiatório – ‘as responsabilidades serão apuradas e os culpados serão punidos’. (NOGUEIRA, 1999).
Portanto, é de extrema importância conhecer os pontos a serem mantidos, os pontos fortes, os pontos fracos (cabendo até uma correlação com uma análise SWOT - um acrônimo de Forças - Strengths, Fraquezas - Weaknesses, Oportunidades - Opportunities e Ameaças - Threats), os processos desnecessários, os processos que realmente agregam valor e, tudo isso, de uma forma sistêmica, visual, global, através do desenho do grande processo do hospital, dividido em processos setoriais, mas de tal forma que se interliguem e que entendamos esta interligação.
Quando um hospital analisado por um modelo gráfico, por meio de um fluxograma de mapeamento dos processos, este possibilita o entendimento do processo atual e permite o desenho do novo, indicando pontos problemáticos, impactos sobre desempenho e soluções, bem como possibilita, ainda, documentar os processos.
Alternativamente ao modelo de gestão por processos, temos a gestão por função, um modelo tradicional, onde não há a dinâmica necessária para a gestão moderna, pois a gestão por função depende da capacidade do indivíduo e não da capacidade da equipe de trabalho. O indivíduo não trabalha apenas em sua área, mas atua no processo. (LIMA-GONÇALVES, 2000).
Com a clarificação dos processos (conhecimentos) e suas interligações, os feudos funcionais tendem a desaparecer e o corpo funcional tende a trabalhar de forma mais colaborativa, pois irá perceber as características e dificuldades dos processos anteriores e posteriores, não focando mais em interesses de seu próprio setor, mas da organização como um todo, objetivando resultados e o desempenho global. Também a comunicação melhora e os conflitos tendem a diminuir.
As organizações em geral travam batalhas heróicas na busca de melhores resultados, sejam eles oriundos de diminuição de custos ou aumento de receita com a manutenção do mesmo nível de custos. Isso se aplica, também, para as organizações da área da saúde, onde os custos crescentes não são acompanhados da remuneração justa oferecida pelas fontes financiadoras, seja ela particular, de planos de saúde ou mesmo do sistema público.
Esta busca de custos menores muitas vezes está atrelada a estratégia organizacional ou a forma de gerencia adotada. Porter cita que “os encargos administrativos são altos em todos os tipos de atendimento à saúde, com poucos benefícios aparentes em termos de assistência ao paciente”. Este autor coloca ainda que “os levantamentos indicam que tanto médicos quanto enfermeiros gastam de um terço a metade de seu tempo com papelada”. (PORTER, 2007).
Isso nos leva a refletir de como criar valor na saúde, com resolutibilidade e rapidez, atendendo a expectativa do paciente a um custo adequado. 
Christensen, Griossman e Hwang recomendam que os hospitais desconstruam suas atividades em dois diferentes modelos de gestão operacionais: as atividades de centro resolutivo e as atividades com processo que agrega valor. Complementarmente cita que “quando os recursos, os processos e o modelo de lucro de uma organização estão voltados para uma tarefa a ser feita, então – e só então – eles podem ser integrados de um modo correto e otimizado, capaz de executá-la com a máxima perfeição possível. (CHRISTENSEN; GROSSMAN; HWANG, 2009).
Por conseguinte, para que se possa oferecer uma proposição de valor ao consumidor (paciente), os administradores normalmente precisam lançar mão de um variado conjunto de recursos, que incluem pessoas, produtos, propriedade intelectual, suprimentos, equipamentos, instalações, dinheiro e assim por diante. (CHRISTENSEN; GROSSMAN; HWANG, 2009).
Christensen, Griossman e Hwang ainda complementam que com o trabalho sistemático para a consecução da obtenção de valor ao cliente (paciente), os processos se unem, sendo que são os processos que determinam como os recursos deverão se combinar para gerar a proposição de valor.
Um fluxo básico de atendimento em um hospital se dá pelo acompanhamento do seguinte macro processo:


Cabe ressaltar que processo é diferente de procedimento, sendo que o procedimento está relacionado com a tarefa. O procedimento operacional é um tipo de padrão voltado para a tarefa, e se destina a fixar condições de execução de quaisquer operações de conteúdo técnico e administrativo. (TACHIZAWA; SCAICO, 1997).]

Segundo Lima-Gonçalves (2000), entender como funcionam os processos e quais são os tipos existentes é importante para determinar como eles devem ser gerenciados para a obtenção do máximo resultado. Afinal, cada tipo de processo tem características específicas e deve ser gerenciado de maneira específica. Os processos organizacionais devem ter capacidade de resposta aos estímulos semelhante à demonstrada pelas criaturas vivas.

A gestão por processos difere da gestão por funções tradicional em pelo menos três variáveis: (1) se apóia em objetivos externos; (2) os colaboradores e recursos são agrupados para produzir um trabalho completo; e (3) a informação segue diretamente para onde é necessária, sem a interferência da hierarquia. O sucesso da gestão por processos está ligado ao esforço de minimizar a subdivisão dos processos empresariais.
Portanto, executar uma gestão por processos é analisar o macro processo e entender cada fase por onde um produto ou serviço passa. O caso de um hospital, o produto final é a saúde do paciente, e pode ser representado pelo fluxo abaixo:


No fluxo acima podemos perceber que em uma organização hospitalar, o paciente é peça chave do processo, pois entra na organização através da recepção, passa a ser atendido na área assistencial, tem suas movimentações anotadas e levadas ao setor de faturamento, passando os seus registros pelo financeiro, até esta informação chegar na contabilidade. Isso tudo com o suporte das outras áreas operacionais e administrativas.
Tachizawa e Scaico (1997) colocam que a visão horizontal, ou de sistema, de uma organização, em contraponto a perspectiva de um organograma funcional tradicional, permite incluir três elementos que normalmente faltam nos modelos de representação de uma organização: o cliente, o produto e o fluxo de trabalho. Colocam, ainda que permite visualizar como o trabalho é realmente feito por processos que cortam fronteiras funcionais e evidenciam os relacionamentos internos entre cliente-fornecedor, por meio dos quais são gerados produtos ou serviços.


Este autores acrescentam que “A gestão por processos, diferentemente da administração funcional, coordena todas as tarefas e atividades inerentes ao(s) processo(s) sob gestão da área de domínio delimitada hierarquicamente vinculada a cada Gerência de Serviços/Processos definida. Tal definição tem como ponto de partida a delimitação de todos os processos da organização feita a partir da aplicação da metodologia de padronização de processos, em suas fases de mapeamento global dos processos através de macrofluxogramas e decorrente identificação dos processos-chaves da organização”.

De acordo com estes mesmos autores, devem ser observadas, metodologicamente, sete etapas para a análise, racionalização e padronização dos processos já existentes na organização, bem como para a criação de novos processos.
1.      Identificar os processos-chaves da empresa – enfocados de forma independente ao organograma, não guardando relação com a estrutura organizacional da empresa;
2.      Estabelecer, por processo e de forma organizada, os fornecedores, insumos, tarefas, produtos e clientes – utilizar o fluxo básico, selecionar as tarefas prioritárias para a realização dos trabalhos, dentro do prazo do projeto e elaborar um fluxo básico para as tarefas consideradas prioritárias, elaborando um fluxograma geral por processo estabelecido na forma de macrofluxograma;
3.      Elaborar e analisar a matriz de responsabilidades do processo - enfocar a distribuição de responsabilidades por todas as tarefas, entre os setores ou funções envolvidas e para cada tarefa prioritária;
4.      Definir por tarefa prioritária as características da qualidade, indicadores, fórmula de obtenção dos indicadores, frequência, modo de realizar a e responsável pela medição;
5.      Elaborar o “Procedimento Operacional” para cada tarefa que compõe o processo – tais documentos devem inserir-se naturalmente na arquitetura de documentos normativos da empresa – elaborar fluxograma de colunas para cada tarefa considerada prioritária;
6.      Efetivara a implantação de processos padronizados – desenvolver u programa de treinamento conforme procedimentos operacionais; e
7.      Monitorar e acompanhar a operacionalização do processo por meio de auditagem.
Portanto,  a gestão de processos tem como objetivos a economicidade, a visão de agregar valor ao cliente e o respeito à estratégia da organização. Um processo tem que criar algo novo. Mais do que isso: só tem razão de existir se for proporcionar valor ao cliente: esta é a grande questão da análise e de sua existência.
Na realidade podemos ter processos que não agregam valor ao cliente mas que são necessários (como alguns processos administrativos). Mas é imperdoável termos processos que não agregam valor ao cliente e que não são necessários. Estes devem ser descartados de imediato.
Então, o cliente é a razão fundamental para existência de um processo, bem como este deve estar devidamente alinhado com a estratégia, que é a razão de ser da organização.



[Veja também: 
Gestão de Processos em Hospitais 2: Objetivos e Benefícios - http://goo.gl/BA0SO
Por que Gerir ou Analisar Processos em Hospitais - http://goo.gl/jhGR8]

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Léo G. Gestão de processos e a gestão estratégica. Rio de Janeiro: Qualitymark, 202. 152p. ISBN 8573033878
BITTENCOURT, Otávio N.S.; OLIVEIRA, Leonardo R. Análise de processos em hospitais. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção / UFRGS, capturado da Internet em 15/02/2007.
CHRISTENSEN, Clayton M.; GROSSMAN, Jerome Harvey; HWANG, Jason. Inovação na gestão da saúde: a receita para reduzir custos e aumentar qualidade. Porto Alegre: Bookman, 2009.
LIMA-GONÇALVES, J. E., As empresas são grandes coleções de processos. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.40, n. 1, p.6-19, Jan./Mar. 2000.
NOGUEIRA, Luiz Carlos Lima. Gerenciamento pela qualidade total na saúde. Belo Horizonte, MG: Editora Desenvolvimento Gerencial, 1999. pg.17
PORTER, Michael E.; TEISBERG, Elisabeth O. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre : Bookman, 2007.
TACHIZAWA, Takeshy; SCAICO, Oswaldo. Organização flexível: qualidade na gestão por processos. São Paulo: Atlas, 1997. 335 p. ISBN 8522416044

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