Autor:
José Roberto Ferro e Robson Gouveia
Publicado: 08/05/2015
Publicado: 08/05/2015
Uma empresa tinha sua estratégia
definida com metas e ações desdobradas para todas as áreas e níveis do negócio.
O acompanhamento das ações ficava sob a responsabilidade de cada área e os
resultados eram colhidos e centralizados no sistema de TI da empresa.
A diretoria se reunia mensalmente
para acompanhar os resultados. Porém, quase todas as vezes havia resultados
aquém do esperado, o que causava enorme mal estar. Para entender as razões
desses resultados decepcionantes, essas reuniões acabavam virando tentativas de
encontrar os verdadeiros culpados, com dedos apontados em todas as direções.
Novas decisões emergenciais eram
tomadas para apagar os incêndios e mitigar a situação, o que, muitas vezes, ao
invés de resolver, acabava agravando as coisas no mês seguinte.
O que estava acontecendo? O sofisticado sistema de coleta de informações da empresa parecia não permitir um real entendimento do que acontecia. E ainda, quando algumas decisões eram tomadas, já era tarde demais. Assim, os resultados anuais ficavam comprometidos.
A empresa precisava implementar
um novo método de acompanhamento das ações e resultados que garantissem a
execução adequada da estratégia e que permitissem uma resposta mais rápida e
eficaz a eventuais desvios; o gerenciamento diário.
O que é o gerenciamento diário
(GD)?
Gerenciamento diário é o processo
contínuo para garantir que o trabalho esteja sendo feito do modo certo e no
tempo certo para que se possa alcançar o sucesso do negócio conforme definido
pela estratégia da empresa.
É o acompanhamento cotidiano das
ações, definidas de acordo com o desdobramento da estratégia, para verificar se
os resultados esperados estão sendo atingidos e, caso negativo, sejam tomadas
as ações corretivas a tempo.
Permite, assim, que todos saibam
claramente se o desempenho está bom ou ruim em bases diárias, se necessário
horárias, ou então semanais ou mensais, se for o caso.
Permite que todos em todos os
níveis enxerguem rapidamente o desvio ou o problema que impede que as metas
sejam atingidas. E que todos, igualmente, sejam responsáveis por tomar as
providências necessárias para corrigir esses problemas rapidamente.
A figura abaixo mostra a gestão
tradicional, sem o gerenciamento diário, em que há uma demora para implementar
uma ação corretiva a fim de fazer retornar ao desempenho esperado.
A introdução do gererenciamento
diário torna contínuo o acompanhamento dos resultados e reduz, assim, o tempo
para realizar as correções e trazer o desempenho novamente ao nível esperado,
com poucas perdas, conforme mostra a figura abaixo.
Começar pelo desdobramento da
estratégia a todos os níveis
O gerenciamento diário começa com
um sólido processo de definição e desdobramento da estratégia, iniciado com a
explicitação dos propósitos da empresa e o “norte verdadeiro”, as prioridades
da empresa no futuro próximo, digamos de 12 a 18 meses.
Isso deve ser desdobrado em
indicadores específicos no nível macro, cascateando nos níveis funcionais, nas
células de trabalho e para cada pessoa.
Todos na empresa deverão conhecer
as prioridades e os desafios para o sucesso pleno do negócio e o que será
medido para que, de forma proativa, surjam decisões que permitam a correta
entrega do que fora planejado e possibilite o engajamento de todos, cada um no
seu nível de responsabilidade.
Assim, os indicadores deverão
medir e orientar quais resultados devem ser alcançados e o que fazer quando
algo sair fora do previsto.
A partir daí, toda a organização,
suas áreas produtivas, administrativas, comerciais e de suporte, deverão montar
quadros para a gestão visual em local visível e de fácil acesso, próximo ao
local de trabalho, para permitir as reuniões que serão realizadas diariamente,
ou na frequência necessária.
A figura abaixo ilustra como são
desdobrados os indicadores para cada nível da empresa.
Como funciona o GD
A partir de um quadro como este
mostrado abaixo, preenchido com base nos dados atualizados todos os dias ou na
frequência necessária, o time do departamento, área ou célula se reúne para
discutir os números que foram alcançados em comparação ao que se esperava, ou
se um determinado plano de ação foi executado da forma prevista.
Essa reunião deve ser conduzida
pela liderança da área de acordo com os diferentes níveis da organização. Em
uma a área produtiva podem ser os supervisores e seus líderes. Já na área
comercial, por exemplo, pode ser o diretor com seus gerentes.
A reunião deve ser rápida e
objetiva (aproximadamente 30 minutos) com todos focados e concentrados para dar
suas contribuições em relação aos problemas revelados no quadro e as lacunas
que deverão ser trabalhadas através de rápidos ciclos de PDCA.
A liderança, durante a reunião,
deve atuar como um “maestro”, sendo capaz de envolver adequadamente todos os
membros da equipe. O foco deverá ser na avalição e comparação do planejado com
o realizado.
O líder deve saber perguntar,
procurando ajudar a esclarecer a situação com perguntas exploratórias como “O
que aconteceu?” até sentir que o grupo tem um bom entendimento da situação e
passar a explorar as causas raízes perguntando os porquês.
Espera-se que os participantes
não tragam respostas superficiais sem uma boa análise das causas raízes e
contramedidas para os problemas, que devem ser analisados previamente, pois
espera-se uma tomada de decisões e consenso em relação às contramedidas na
própria reunião para que o resultado seja recuperado em seguida.
O líder deve evitar fornecer as
respostas ou sugerir, mesmo que ele tenha uma boa ideia do que poderia ser
tentado, pois igualmente importante é desenvolver a capacitação dos
colaboradores.
Essa atividade torna-se,
portanto, também um meio de desenvolver as pessoas, mudar o modo como pensam,
como resolvem os problemas e como trabalham em equipe.
A visualização deve ser simples
para garantir a clareza, foco e facilitar o entendimento de todos, como no
exemplo anterior, dentro da meta = verde, fora da meta = vermelho. As
discussões deverão estar concentradas nos pontos vermelhos e na busca por contramedidas
eficazes. E não procurar apontar os culpados, eventuais responsáveis ou, então,
gerar discussões intermináveis, sem objetividade e foco.
O GD permite estimular o trabalho
em equipe e possibilita o engajamento de todos naquilo que é fundamental para
cada um, o seu trabalho. E conecta todos às necessidades essenciais da empresa
nesse momento, o seu norte verdadeiro.
Todos são responsáveis para que
os números estejam dentro do previsto e para que os problemas sejam corrigido
rapidamente.
Por isso, nas reuniões diárias,
quando estiverem todos de frente para o quadro de gerenciamento diário, deve-se
perguntar, tipicamente: “Eu fiz o serviço certo, na quantidade certa e na hora
certa?”; “Como estão os resultados atuais comparados com os resultados planejados?”;
“Qual é o problema”; “Por que houve desvio do planejado?”; “Qual foi a causa?”;
“Que tipos de melhorias são necessárias?”; “Como pode ser a minha
contribuição?”; “Que tipo de ajuda será necessária?”.
Deve-se procurar criar um
ambiente no qual esconder problemas não faz sentido e não é aceitável ou mesmo
possível. Ao contrário, expor os problemas, questionar e resolver eficazmente
passa a ser a maneira de trabalhar.
Os resultados consolidados que
podem ser de um dia ou turno de trabalho, refletem, nos casos ligados à
operação, como foi a eficácia dos acompanhamentos hora a hora. Se, por exemplo,
em uma linha de produção, o resultado hora a hora ficou dentro do previsto, no
final do turno e naquele dia, o que será consolidado no quadro gerencial será,
por consequência, o resultado desejado.
Mas problemas acontecem o tempo
todo e quanto mais tempo se gastar para entendê-los e resolvê-los, maiores
serão as consequências. Para que o GD possa ser eficaz, os problemas precisam
ser, então, resolvidos. Mas nem sempre as soluções são imediatas ou estão no
nível de conhecimento e habilidade dos envolvidos.
Por isso, é fundamental
estruturar a cadeia de ajuda, o acionamento de pessoas especialistas para
resolver problemas, de nível em nível, cada um com sua responsabilidade e tempo
para resolução do problema definidos. Cada indivíduo deve saber o que fazer,
como, quando e para quem pedir ajuda quando algo está fora do esperado.
Desse modo, cada colaborador deve
ser capaz de ao menos tentar resolver os problemas que atrapalham seu
desempenho. Se não conseguir, ele deve chamar um líder, que também deve tentar
resolver. Se não conseguir dentro de determinado tempo, deve chamar um outro
nível, talvez de supervisão, ou um grupo externo como de manutenção ou
qualidade. Se o problema persistir, o gerente é chamado a intervir e, se não
for capaz de solucionar, ele pode chamar o diretor ou mesmo o presidente no caso
de algo muito sério acontecer.
A cadeia de ajuda inverte,
portanto, a organização piramidal tradicional, que se torna uma cadeia de apoio
a agregação de valor e a resolução de problemas.
Exemplos: área produtiva e área
comercial
Mostraremos dois exemplos a
título de ilustração, um em uma área produtiva e outro na área comercial.
No primeiro, o quadro do nível
gerencial de fábrica, criado a partir do planejamento e desdobramento da
estratégia, apresenta os indicadores nas seguintes dimensões:
Volume de Produção, Financeiro,
Qualidade, Entrega, Pessoas, SSMA.
Tais números foram derivados dos
A3 estratégicos que foram criados a partir do Norte Verdadeiro. No quadro, para
cada um deles, há uma meta definida e que deve ser atingida diariamente para
que se obtenha sucesso no que foi planejado, na entrega de valor para os
clientes com consequentes resultados para os acionistas.
A reunião acontece em uma
quarta-feira e alguns problemas no quadro abaixo se mostram crônicos (como o
baixo volume expedido, excesso de estoque e de horas extras). Se nada for feito
para corrigir essas anomalias, o resultado será comprometido. O que ocorre, na
prática, é que os problemas visíveis permitem o claro entendimento e
direcionamento da equipe para atacá-los, com ações simples para contenção e
PDCAs estruturados, que irão direcionar ações mais robustas. Nada pode
ultrapassar o prazo máximo de 5 dias para execução.
Nas reuniões seguintes, fruto das
decisões e ações tomadas para solução dos problemas, percebe-se no mesmo
exemplo abaixo que os problemas que eram crônicos foram solucionados e que o
grupo, no caso na reunião da sexta-feira, irá discutir apenas dois pontos com
resultados abaixo do planejado – rejeição interna e número de cartões de SSMA.
No segundo exemplo, na área
comercial, o quadro criado para o gerenciamento diário, apresenta os
indicadores nas seguintes dimensões: volume por região, massa de contribuição,
margem líquida, condição dos pedidos, market share, nivelamento das
vendas, despesas, visitas em clientes, atendimento.
Com o mesmo método usado no
exemplo anterior, no quadro, para cada um deles, há uma clara expectativa
quantitativa em relação aos resultados esperados.
Na reunião de quarta-feira, além
dos problemas pontuais e da baixa performance generalizada, outros
quatro problemas se revelam crônicos (pedidos com pendência, vendas do produto
KLM, despesas e visitas em clientes), com a necessidade de uma rápida correção,
caso contrário o resultado da primeira semana do mês será ruim e o fechamento
em relação ao que fora planejado ficará aquém das expectativas. Outro problema
que seria motivo de festa em empresas sem o gerenciamento diário e a cultura
lean é o volume total de vendas muito maior do que o previsto. Sim, isto é um
problema, pois causa desnivelamento, deve comprometer a entrega, gerar custos
desnecessários e gerar insatisfação para o cliente.
Sem o gerenciamento diário, seria
apenas mais um número perdido no meio de tantos outros que fazem parte do
portfólio de indicadores de uma empresa. Além das ações pontuais para cada
número abaixo da meta, algumas ações para os problemas crônicos foram
definidas:
1. Pedidos com pendência: Força
tarefa da equipe de administração de vendas com vendedores para fechar os
pedidos com pendência.
2. Vendas do produto KLM: Ações
promocionais (sem comprometer a margem) para aumentar as vendas do produto KLM
– ações incluem: banners nos pontos de vendas, atuação de
promotores.
3. Despesas: Análise das despesas
que podem ser postergadas sem comprometer as vendas.
4. Visitas em clientes:
Cancelamento de algumas reuniões para permitir maior presença nos clientes.
5. Volume maior nas vendas:
Reduzir a capacidade de pedidos para as regiões Sul, Norte e Nordeste por 1
dia.
Market share também
é um indicador abaixo das expectativas, mas por ser um indicador apenas de
resultado e com baixa mobilidade diária, não há um direcionamento específico
para corrigi-lo além das próprias ações em conjunto, que irão fazer com que as
vendas e a cobertura aumentem. Neste caso, o diretor comercial solicitou que
ele fosse mantido, uma vez que havia um A3 específico para tratá-lo e ele
gostaria de que todos se lembrassem do objetivo diariamente.
Na área comercial, a reação em
relação aos números tende a ser mais lenta, diferente da resposta rápida que
ocorre nas operações de fábrica. Se estas discussões fossem feitas apenas no
final do mês, o tempo para resposta e recuperação seria ainda maior e com consequências
fatais para o desempenho anual.
Nas reuniões seguintes, já se
percebe uma reação que indica que as ações tomadas em conjuntos foram eficazes.
Conclusão
O que se pretende com o GD é o
acompanhamento e execução da estratégia em todos os níveis para garantir que os
desvios apareçam claramente e sejam atacados na fonte, o mais rapidamente
possível.
Uma empresa que não faz o GD, ou
seja, que não tem um método estruturado e contínuo para acompanhar diariamente
as ações e resultados previstos no plano estratégico, não consegue detectar os
problemas que surgem, expô-los e resolve-los.
Portanto, não é capaz de
corrigi-los, prejudicando os resultados e não gerando o engajamento e
envolvimento das pessoas com a estratégia, e perdendo também a oportunidade de
gerar aprendizado para seus colaboradores.
Já uma empresa que utiliza o GD é
capaz de enxergar logo que os desvios ocorrem, consegue rapidamente iniciar a
solução de problemas para garantir os resultados esperados e revisitar as
estratégias, mantendo vivo o engajamento e desenvolvimento das pessoas que
realizam o trabalho que gera valor, sendo assim fonte de aprendizagem
inesgotável para a organização, e garantindo não apenas o desempenho atual,
como capacitando-se para enfrentar desafios futuros.
O gerenciamento diário é um
poderoso método para garantir a execução eficaz da estratégia. Sem ele, o
desdobramento da estratégia, por mais sólidos que tenham sido os acordos
horizontais e verticais, assim como tenham sido corretas as escolhas e
definições dos indicadores, há grandes chances de fracassar, pois problemas
surgirão em sua implementação.
Sobre os autores
José Roberto Ferro é presidente
do Lean Institute Brasil (LIB) e vice chairman da Lean Global Network (LGN).
Robson Gouveia é gerente de
projetos do LIB, onde tem ajudado na transformação de várias empresas,
inclusive auxiliando na implementação do gerenciamento diário que aprendeu na
Alcoa.
Agradecimentos
A Tamiris Masetto Manzano pela
edição e revisão deste artigo e a Nêio Mustafa pela direção da arte gráfica.
Texto
originalmente publicado em http://www.lean.org.br/artigos/304/gerenciamento-diario-para-executar-a-estrategia.aspx
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