Por Genésio Körbes
Ele relutava em contratar
os gerentes necessários para supervisionar, planejar e coordenar o novo
trabalho. Ele continuou a ser o exemplo de um proprietário-gerente. Insistia em
tomar as decisões que afetavam todos os aspectos de seu negócio, do
planejamento da produção ao projeto do produto, passando por marketing e
distribuição. Vangloriava-se da falta de organização formal. Preocupava-se com
o produto e sua produção e não a estrutura empresarial ou o avanço na carreira.
Não são necessárias reuniões para se estabelecer bons sentimentos entre
indivíduos ou departamentos”. Shoshana Zuboff e James Maxmin em seu livro O
Novo Jogo dos Negócios, referindo-se a Henry Ford.
Será que qualquer
semelhança com um grande número de hospitais brasileiros dos dias de hoje é
mera coincidência? Certamente, não!
Historiadores especializados
em economia mostraram de modo persuasivo que essa falta de atenção à
organização e à administração levou a resultados desastrosos na Ford Motor
Company em 1927. Há quase 90 anos, a falta de consideração quanto aos aspectos
administrativos e de gestão já fazia suas vítimas no mundo corporativo.
Infelizmente, contudo, este quase um século não bastou para que as más
experiências do passado servissem de aprendizado, pelo menos não na maioria dos
players do segmento de assistência à saúde.
Faz bem pouco tempo que
começamos a sentir ventos de progressos na estrutura de gestão e no modelo de
produção dos hospitais. Onde esses ventos sopram de verdade e balançam os
alicerces, já se estão colhendo frutos importantes. Existem organizações
sabidamente organizadas, atuando de maneira sistêmica e estratégica e em
consonância com os movimentos e as necessidades do mercado, modelando seu
negócio a partir do mapeamento do perfil epidemiológico, associado a um core
business definido a partir de estudos consistentes. Tais boas histórias se
constroem, em grande parte, graças ao movimento da Certificação.
É uma pena que esses
cases bem-sucedidos ainda sejam exceção. Porque ainda há tantos outros serviços
de saúde que sequer estão familiarizados com conceitos de gestão, que nunca
ouviram essa linguagem ou tiveram interesse em aprender sobre temas como plano
estratégico, mapeamento de processos e monitoramento de indicadores. Sim, a
maioria ainda tem aversão a toda e qualquer sistematização de gestão, mesmo que
se trate de uma mínima estrutura organizacional voltada para resultados. Ainda
estão presos aos métodos praticados por Ford em 1927, onde imperava o que o
presidente dizia, o que queria e, o pior, como queria.
Antes que alguém pergunte
se isto ainda existe, respondo. Existe, sim. Sinto por isso, muito mais do que
os leitores possam imaginar. Muitos hospitais e clínicas ainda estão presos às
suas origens de pequenas empresas familiares, que cresceram em tamanho,
faturamento e número de funcionários, mas ainda não disseram a que vieram. Ou
seja, cresceram, apareceram, mas, simplesmente, não amadureceram. Ainda não
entenderam que a relação entre o prestador e o tomador de serviço mudou, que o
cliente/paciente não é mais um mero coadjuvante passivo do processo de assistência,
que a era da informação trouxe a todos o poder de escolher, avaliar e,
eventualmente, condenar ao limbo aquela instituição que pisar feio na bola. E,
em muitos casos – para meu espanto – ainda ignoram que conceitos como
segurança, qualidade e excelência no atendimento norteiam a escolha do cliente,
principalmente quando o assunto é a saúde e a qualidade de vida.
Como bem lembrou, em
artigo recente, o expert em qualidade no setor hospitalar, Rubens Covello, CEO
do IQG Health Services Accreditation, as instituições de saúde se tornaram
estruturas complexas. E isso não é um elogio, pois, na maior parte das vezes,
tal complexidade se traduz em uma gestão avessa à lógica do mercado e atuação
centrada na doença e não na prevenção e promoção de saúde, com base no perfil
epidemiológico da população atendida, como haveria de ser.
Portanto, é urgente
acontecer uma ruptura na cabeça da organização. No número UM do Hospital. Que
ele aceite e abrace o princípio básico segundo o qual um hospital, por menor
que seja, necessita de um gestor médico, um administrativo e um assistencial.
Profissionais tarimbados, com formação sólida e experiência comprovada. O tempo
do “gerente proprietário” já ficou para trás. Isso é coisa do século passado.
Dado este pano de fundo,
como atacar e superar os enormes desafios que impedem as organizações de
caminhar com a celeridade das inovações e antenados com as novas exigências do
cliente? Vejo, neste cenário, dois desafios imediatos:
- Montar uma estrutura
para gerir o hospital com métodos de gestão atualizados, envolvendo todos os
colaboradores diretos e indiretos e contando com seu comprometimento para, por
meio deles, obter os resultados esperados.
- Investir na atualização da tecnologia, das
instalações e da infraestrutura, para que estejam preparados para atender às
exigências do mercado.
Notem, o mercado é
completamente diferente do que era há 15 anos, logo, não se pode perder tempo.
A hora é de ação e não mais de discursos. A hora é de resultados. A hora é de
implantar as mudanças. Isso somente é possível com pessoas capacitadas.
Profissionais preparados para este novo modelo de atuação. Times bem
informados, envolvidos, engajados e comprometidos. Some a esse capital humano
uma estrutura organizacional enxuta, que provê acesso a todas as principais e
mais efetivas ferramentas de gestão. Pode ser que, em 2027, possamos comemorar
as boas histórias não mais como exceção, mas, quem sabe, a regra.
Publicado na Revista Hospitais Brasil Nº 75 de Set/Out 2015. Pág. 72