Embora seja a área
com os maiores gastos públicos, o resultado não é o desejado
Por José Roberto Ferro
O desempenho do setor de saúde é péssimo. Embora seja a área com
os maiores gastos públicos, o resultado não é o desejado. O orçamento
governamental de saúde nos vários níveis envolve trilhões de reais para gerar
cada vez mais um baixo nível de serviços, tanto em termos de quantidade como de
qualidade. Os tempos de espera por alguns serviços são excessivamente longos. A
cobertura é reduzida. A qualidade não é a desejada em muitos casos.
Por outro lado, os planos de saúde privados são caros e há
constantes disputas legais com clientes e com o órgão governamental de
controle. Custa cada vez mais caro para oferecer um serviço cada vez mais
restrito e de má qualidade. Porém, existem algumas iniciativas e
alternativas para superar esse baixo desempenho e resolver os problemas do
setor. Alguns desses esforços já foram realizados por empresas industriais há
décadas, com resultados aquém do esperado.
Algumas dessas orientações existentes para superar os problemas atuais e melhorar o desempenho do setor acabam por não oferecer os resultados superiores esperados. Vamos abordar aqui quatro desses mitos, ou seja, crenças comuns de alternativas de melhorias que, na verdade, melhoraram pouquíssimo.
Mito 1: Precisamos de mais recursos
Políticos e governantes em Brasília e em governos estaduais e
municipais parecem adorar essa ideia. Vira e mexe, querem aumentar impostos
para garantir mais recursos para a saúde, com o apoio de muitos órgãos do
setor.
Embora haja discrepâncias sobre os dados quanto ao gasto per
capita no Brasil, mais recursos com certeza não resolverão por si só o
problema. Basta uma caminhada por hospitais e clínicas ou acessar as frequentes
reportagens da imprensa para perceber a quantidade enorme de desperdícios no
setor. Não se reconhece que há um problema sério de gestão. Com a
continuação das práticas atuais, ter mais recursos apenas não resolverá o baixo
desempenho do sistema.
Mito 2: Expansão dos programas de acreditação vão resolver todos
os problemas
Vêm se popularizando no Brasil programas de acreditação nos
hospitais, semelhantes aos programas que já foram feitos na indústria, como os
programas ISO, por exemplo. Destinados a garantir qualidade e segurança
dos pacientes, geralmente trazem quantidades enormes de burocracia adicional,
agregam mais custos e não necessariamente trazem melhores resultados.
Tais iniciativas frequentemente surgem como desdobramentos de programas de qualidade que não conseguem permear adequadamente o dia a dia nos hospitais. Passam a coexistir duas realidades distintas: uma que está descrita nos manuais e procedimentos escritos (como as coisas deveriam ser) e outra que se observa na prática (como as coisas realmente são).
Tais iniciativas frequentemente surgem como desdobramentos de programas de qualidade que não conseguem permear adequadamente o dia a dia nos hospitais. Passam a coexistir duas realidades distintas: uma que está descrita nos manuais e procedimentos escritos (como as coisas deveriam ser) e outra que se observa na prática (como as coisas realmente são).
Mito 3: Inovações tecnológicas são grandes esperanças
Assim como na indústria, busca-se máquinas e equipamentos cada
vez mais rápidos modernos e sistemas de TI mais e mais avançados, abrangentes e
caros, cujos benefícios são limitados, conforme a utilização em outros setores
tem mostrado. Em muitos casos, novas tecnologias são fundamentais e podem
ajudar os clientes em tratamentos específicos, mas sabemos que a inovação em
processos de gestão pode ser tão ou mais poderosa do que "saltos
tecnológicos" isolados.
Melhorias no sistema de informações podem ser úteis, desde que os processos sejam definidos e simplificados, assim como os sistemas de gestão melhorados para poder possibilitar o efetivo benefício desses novos sistemas.
Mito 4: Saúde precisa aplicar a "administração moderna"
O setor de saúde em geral é administrado com base em princípios
gerenciais antiquados. Portanto, parece óbvio se imaginar que incorporar os
princípios da "administração moderna" seja a solução. Esse tipo
de orientação tem crescido, principalmente diante do fato de que cada vez mais
empresas do setor financeiro penetram fortemente no setor. Há uma tendência
para a gestão por números, e não por processos, e nem sempre com a ênfase
adequada no valor percebido e entregue ao paciente.
Aquilo que se considera "administração moderna" é, na verdade, algo bastante antigo e até ultrapassado, cujas limitações estão cada vez mais claras. Esses quatro mitos parecem estar presentes, em diferentes graus, como possíveis ideias a serem implementadas. Faz parte da maneira tradicional de pensar. Com eles, faremos muita coisa fácil e cara que não terá tantos resultados, até que façamos as coisas mais simples e relevantes – como mudar as práticas do cotidiano, o sistema de gestão, o estilo de liderança e a maneira de pensar. Isso, porém, é algo difícil de fazer.
A gestão lean tem se mostrado superior quando utilizada em empresas de todas as áreas e tamanhos. Parte de premissas e fundamentos profundamente diferentes. Em essência, trata-se de criar um sistema de gestão e de lideranças que focalizem os esforços naquilo que realmente importa: o valor para os clientes.
Esperamos que os hospitais entrem direto no sistema de gestão lean, sem passar necessariamente pelos
equívocos da administração “moderna”, que muitas grandes empresas estão
abandonando em busca da gestão enxuta. Esperamos que elas usem inovações
para agregar valor. Que melhorem a qualidade e a segurança como parte do
sistema de gestão e do gerenciamento diário e não como mais um “programa".
Isso significa que não são necessários mais recursos ao sistema. O melhor aproveitamento dos recursos atuais trará grandes benefícios a todos: clientes, colaboradores e interessados no sistema de saúde.
José Roberto Ferro é presidente do Lean
Institute Brasil
Texto originalmente publicado na
revista Época Negócios digital
http://epocanegocios.globo.com/colunas/Enxuga-Ai/noticia/2015/11/quatro-mitos-da-gestao-da-saude.html
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