Por Maria Carolina Buriti | Revista Fornecedores Hospitalares
Muitas vezes citado como motivo de desentendimentos, culpado por produtos ou serviços problemáticos, por falta de suporte técnico ou treinamentos de baixa qualidade e até a falta deles, o fornecedor, queira a empresa ou não, faz parte do cotidiano daquele ambiente, seja com a própria comercialização do produto e serviço, com funcionários terceirizados trabalhando na organização ou mesmo na hora de apresentar cases para futuros clientes. No hospital, isso não é diferente. E com tantas empresas oferecendo produtos e serviços específicos para um setor em desenvolvimento constante e concorrência acirrada, ganha aquele que se mostra um verdadeiro parceiro, andando de mãos dadas com seu cliente e deixando para trás aquelas que preferem ficar de “braços cruzados”.
De acordo com um estudo realizado, em 2009, pelo Sebrae envolvendo 4.200 micro e pequenas empresas e intitulado “Inovação e competitividade nas MPEs”, 25% dos entrevistados introduziram um novo método ou processo e 24% adotaram um novo produto ou serviço, nos 12 meses anteriores da realização da pesquisa. O documento aponta que a segunda fonte principal que as companhias usam para se manter informadas sobre inovações de produto, processo ou mercado são os fornecedores, atrás apenas da internet.
“A inovação tecnológica ou inovação de maneira geral, não pressupõe algor novo, às vezes é algo corriqueiro e adaptado em outro lugar”, explica o professor de microeconomia da Fundação Getúlio Vargas, Arthur Barrionuevo, sobre os processos criados em determinado setor da economia, posteriormente adotados e adaptados para desenvolver outros segmentos.
Gestão
Esse foi o caso da metodologia Six Sigma, desenvolvida pela Motorola para aprimorar as práticas de gestão da organização. Trata-se de um conjunto de ações que aplicadas a indicadores resultam em melhoria da gestão com a redução de desperdícios,reestruturação de processos e uma nova visão sobre os procedimentos internos.
Hoje, a metodologia é difundida em vários setores da economia e muitas companhias já adotam o conjunto de práticas. Uma delas é a White Martins, empresa de gases industriais e medicinais, que incorporou o método há cerca de 10 anos. Para implantar o conjunto de ações é preciso treinar pessoas e a companhia capacitou executivos nas modalidades Black Belt, Green Belt e no Lean- metodologia desenvolvida pela Toyota, que visa a diminuição de gargalos da produção, redução tempo, equipamentos e materiais.
O conjunto de processos bastante difundidos na indústria ainda é um desconhecido do âmbito hospitalar, foi isso que a White Martins constatou ao conversar com seus clientes. “No mercado, verificamos que ela é muito utilizada na área indústria, mas na saúde, só recentemente foi utilizada. Conversamos com alguns diretores dos hospitais e percebemos o interesse no assunto”, conta o diretor de desenvolvimento medicinal da companhia, Jorge Reis.
O pontapé inicial do projeto foi feito no Saúde Business Forum 2010, com a divulgação da metodologia para os gestores de hospitais. Reis conta que para se ter aderência do projeto é preciso conquistar o alto escalão das entidades. “Para funcionar essa metodologia é fundamental que exista o apoio da alta direção do hospital”.
Um dos hospitais que já fizeram o treinamento com a White Martins é o Hospital Brasília. O gerente clínico, Sérgio Fernandes, fez o curso de Green Belt e garante que hoje tem um novo olhar sobre os indicadores de gestão. Segundo ele, a metodologia implica em identificar três desvios padrões abaixo da média e três desvios padrões acima da média. “É preciso ter controle de 99% das ações e é muito difícil chegar nesse nível por processo”, conta.
Caso Fernandes fosse procurar o curso no mercado, teria que desembolsar cerca de R$ 8 mil, mas como o treinamento é oferecido por um parceiro, é gratuito. O curso é ministrado por colaboradores da própria White Martins, que possuem o certificado master nos módulos e custos como passagem aérea e deslocamento também entram na conta da empresa de gases medicinais.
Alavanca
As grandes empresas, de certa forma, acabam puxando as menores em direção ao crescimento, e não há desenvolvimento sustentável sem boa gestão. É o que explica a professora da FIA, Dariane Castanheira. “É um processo novo que tende a crescer. 95% das empresas, em média no Brasil, são médias, pequenas e micro. As maiores têm interesse que elas cresçam e os hospitais não deixam de ser pequenas e médias empresas”.
A professora cita alguns casos em que companhias de grande porte oferecem consultorias e treinamentos para suas parceiras, na maioria das vezes, empresas menores. Com uma construtora, por exemplo, que oferece treinamento de gestão financeira para as incorporadoras parceiras. O objetivo é claro: com o controle financeiro a empresa menor honra seus pagamentos, executa o trabalho e não prejudica a imagem nem os negócios da grande empresa. Mas o fato é que esse conhecimento, uma vez adquirido pode ser repassado para negócios futuros atrelados à construtora ou não, e isso contribui para o desenvolvimento das pequenas empresas.
No caso da White Martins, o treinamento não está atrelado ao “core business” da empresa, mas em longo prazo ela colhe resultados do investimento. “Esperamos que, utilizando essa metodologia, os hospitais possam reduzir desperdícios e fazer novos investimentos em leitos e novos hospitais, e com isso surge oportunidade para a nossa empresa”, explica Reis.
Segundo o professor Barrionuevo, esse processo de parcerias que contribuem para o desenvolvimento é comum na indústria de bens de capital. No setor de saúde, ele é um processo peculiar dado as características do setor, pois a maior parte dos hospitais começou de maneira familiar, e às vezes, isso não vem acompanhado de boas práticas de administração. “O que acontece é que quando se tem boas práticas de gestão, a parceria com fornecedores ajuda e os fabricantes têm interesse em conhecer os hospitais.”
E esse conhecimento é estratégico, ainda mais no universo hospitalar com entidades em diferentes graus de desenvolvimento, umas com gestão familiar, outras com processos profissionalizados, de caráter público, filantrópico, universitário e vinculados a operadoras. Há informações valiosas.
“Embora a gente ofereça isso gratuitamente, o retorno é muito interessante. Em qualquer treinamento se está passando conhecimento, mas também se aprende muito no hospital e saímos fortalecidos. Aprendemos muitas coisas sobre as operações dos hospitais e a gestão nos hospitais”, analisa Reis.
Relacionamento
Em um ambiente que se transpira ciência e inovação como os hospitais, as parcerias vão além das alianças num processo de gestão ou treinamento, e colaboram em novas invenções. No Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, 10 produtos criados em parceria já estão em uso no mercado.
De maneira geral, são produtos que já foram aprovados e registrados, mas que sofrem algum tipo de adaptação. “A grande maioria já são fornecedores. Para fazer isso tem que ter confiança e ter empresa que é parceira ajuda muito”, conta o diretor-superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, Luiz Vicente Rizzo.
O executivo não revela o nome das invenções, pois há um contrato sigiloso entre os parceiros e o instituto, mas revela que os produtos vão desde equipamentos presentes em Unidades de Terapias Intensiva (UTI) até áreas como fisioterapia. Há demanda das empresas para testar produtos e desenvolvê-los nos hospitais, que são um ambiente propício para teste. O Centro de Inovação Tecnológica, responsável pela parte legal do trabalho entre parceiro e hospital e braço do Instituto do Einstein tem uma procura de três a quatro projetos por mês.
Foi com uma amizade entre parceiros e uma boa relação com o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, que foi possível desenvolver o “Tele-eletrocardiograma”, tecnologia de transmissão via telefonia celular que transmite exames cardíacos, sem interferência sonora. A parceria entre o Instituto e a Cardioweb, e desta última com a empresa de tecnologia DevPartner, permitiu a adaptação ao eletrocardiograma, eliminando filas e resultando em um projeto inovador- reconhecido pelo Prêmio Mário Covas em Inovação na edição de 2011.
A inovação, como pontuou o professor Barrionuevo, às vezes é só uma adaptação de algo já existente em um outro setor e de outra forma. No caso do Tele-eletrocardiograma, a ideia de tornar o processo de agendamento de exames mais rápido e eficientes, economizando tempo, recursos e salvando vidas. O sistema está funcionado desde 2008, mas até operar sem erros houve um ano de testes.
Referência nacional em cardiologia, o Instituto Dante Pazzanese centralizava grande quantidade de exames cardiológicos. Os pacientes chegavam à instituição vindos de vários bairros da capital e cidades do Estado de São Paulo. O processo não era eficiente: com a guia na mão, eles marcavam para fazer o exame, depois marcavam para buscá-lo e em um terceiro momento agendavam o retorno com o médico de sua região. Esse processo, além de não ser rápido e tão pouco eficaz quando se trata de saúde, onerava as prefeituras e os pacientes”, é o que conta Faustino França, responsável pelo projeto no Instituto Dante Pazzanese. Dentro dessas etapas estavam embutidos custo com hospedagem e deslocamento do paciente e em casos agravados pela demora no agendamento, se coloca na conta o custo das prefeituras com ambulâncias, por exemplo.
O equipamento adaptado custa em média R$8 mil, a Cardioweb desenvolve um teclado próprio para o eletrocardiograma, que solicita informações como número do registro do paciente, sexo, idade, peso – o exame é realizado pode ser realizado por um clínico geral em uma unidade que contenha o aparelho, as informações são transmitidas via celular para a Central de Laudos do Instituto Dante Pazzanese e ao abrir o exame, o médico cardiologista do hospital utiliza a interface e a tecnologia da DevPartner.
“A internet só é usada para entrar em contato com a DevPartner, decodificar o sinal para se analisar o exame”, explica França. Depois de avaliado é transmitido de volta ao posto base e impresso com o parecer de um cardiologista do Dante.
A central de laudos realiza em média 500 análises por dia, 24 horas e que podem ter sido enviadas de qualquer um dos 78 pontos em hospitais públicos , ambulatórios e postos de saúde do Estado de São Paulo. “Isso salva vidas”, diz França. Uma vez que não há necessidade de um cardiologista para avaliar o exame e apenas um clínico-geral pode realizá-lo enviá-lo para a central de laudos do Dante e ter o diagnóstico de um especialista em no máximo uma hora.
Até o final de 2011, o projeto pretende alcançar 200 pontos em todo o Estado de São Paulo e em um segundo momento a ideia é vender o projeto para instituições. O projeto como um todo custa além do valor do equipamento. Gastos com servidor e até com papel para impressão do exame são arcados pela Secretaria Estadual de Saúde via repasse feito ao Instituto Dante Pazzanese.
Quem ganha?
Seja uma parceria que contribua na gestão da empresa, como a White Martins, ou que envolva um processo colaborativo como o Hospital Albert Einstein e Dante Pazzanese, o fato é caminhar de mãos dadas com o fornecedor pode resultar em boas ideias e melhorias para os pares.
“Esse relacionamento é muito positivo, as indústrias de modo geral não têm a qualidade de avaliação que o hospital tem. Os processos no hospital são feitos com muita qualidade. Quem vai usar é muito diferente de quem desenvolveu, não só da indústria, mas também para o paciente”, diz Rizzo.
Para Dariane, da FIA, o interesse da empresa vai além de simplesmente ajudar o parceiro “Isso está no plano estratégico para faturar mais. Sempre tem um interesse por trás, esse gasto quando vai por nos informativos, nas despesas de marketing”.
A White Martins tem percebido a grande procura dos hospitais – clientes em fazer os treinamentos, que já ocorreram em cinco hospitais e tem previsão de ocorrer mais três ou quatro agendados para os próximos. Pelo menos no Hospital Brasília, a ação já gerou uma boa impressão. “O relacionamento que se mantém com a White Martins é agregador. Eu sei que eles querem crescer juntos com a gente”, diz Fernandes.
http://saudeweb.com.br/21979/parcerias-entre-hospitais-e-empresas-sao-beneficas-para-o-setor/