Por Samuel Cogan em 25/02/2011
A produção
enxuta representa, para a empresa, o melhor dos mundos, ou seja, sensíveis
reduções em: taxa de chamadas de serviços ao cliente, no custo da qualidade, na
quantidade de horas extras, no tempo de processamento do pedido na empresa, na
taxa de entrega ao cliente, nos estoques, no espaço ocupado, etc.
Contudo,
quando uma empresa está em transição da antiga forma de produzir (produção em
massa) para a nova forma (produção enxuta) os informes financeiros da
contabilidade tradicional de custos mostram que a lucratividade reduziu e em
função desses resultados muitas empresas cancelam essa transição voltando para
a forma tradicional de produção/operação.
Entretanto,
o problema é causado pela contabilidade tradicional que foi desenhada para a
produção em massa existente há cerca de cem anos, não estando, pois, adequada
aos novos tempos da produção enxuta. Em resumo o seguinte ocorre:
1. As
companhias enxutas mantêm pequeno, ou quase nenhum estoque, as empresas que
estão em transição para o pensamento enxuto obviamente passarão a consumir
esses estoques e irão reduzi-los. Então, reduzindo-se o estoque, que é
muito favorável, ao contrário, essa prática irá reduzir o valor da companhia, e
a lucratividade reduz nos demonstrativos financeiros da contabilidade
tradicional de custos.
2. Isso não
acontece somente nas companhias que estão em transição para o pensamento
enxuto, também os clientes reduzem seus estoques, pois, passam a confiar que
com a redução nos tempos de entregas de seus fornecedores que utilizam a
produção enxuta, além do aumento da qualidade, eles também podem reduzir seus
estoques. Então, os clientes ajustam seus pedidos e ao invés de, por
exemplo, fazê-lo com cinco semanas de antecedência, o fazem com uma semana de
antecedência. Assim, vendas são adiadas no curto-prazo.
3. Ser
enxuta faz com que a companhia se torne mais produtiva. Contudo, no
curto-prazo é difícil para a empresa se beneficiar desses melhoramentos na sua
lucratividade. Isso porque a força de trabalho ociosa não pode ser
desligada, pois se necessita a cooperação dos trabalhadores e gerentes para o
restante da implementação.
4. Nem a
capacidade extra disponível em conseqüência da melhoria de produtividade pode
ser utilizada no curto-prazo, pois, a empresa ainda em transição leva tempo
para introduzir novos produtos na fabricação, e otimizar o sistema ao longo das
linhas de produtos enxutos.
Assim, foi
criada uma nova forma de informar os resultados financeiros nas empresas
enxutas, tema que é tratado pela contabilidade enxuta. O atual
demonstrativo tradicional de lucros e perdas é de difícil entendimento pelos
não contadores nas empresas. Ele é substituído por um demonstrativo
simples que pode ser apurado em curtos períodos, como semanais, e tal que todos
na empresa podem entendê-lo. Além disso, esse demonstrativo simples mostra os ganhos
obtidos pela produção enxuta evitando os problemas aqui já relatados.
Entre outros, o Box Score é um quadro que fornece ao
gerente do fluxo do valor, bem como a seu grupo de trabalho, uma visão sumária
do desempenho do fluxo de valor; é constituído de três partes: a parte superior
é formada por indicadores de desempenho; a parte central mostra os indicadores
de recursos de capacidade; e a seção inferior apresenta os indicadores
financeiros. O Box Score é reportado semanalmente,
apresenta as semanas anteriores bem como o objetivo planejado para o futuro,
que foi acertado com o grupo de trabalho, visando os melhoramentos previstos
com a produção enxuta.
Além dos
informes financeiros simples criados pela contabilidade enxuta ressalta-se
ainda uma nova forma de custear os produtos e que é representada pelo custeio
do fluxo de valor.
Como se sabe
um dos problemas perenes da contabilidade tradicional é sua incapacidade de
determinar com precisão os custos dos produtos/serviços devido aos rateios
arbitrários dos custos indiretos. A contabilidade enxuta acaba com esse
problema que permanece por cerca de cem anos, com a introdução do custeio do
fluxo de valor.
A
determinação do custo do produto passa a ter importância menor da que recebe na
contabilidade tradicional. Mesmo porque devido aos rateios já aludidos
esses valores são questionáveis. Mesmo o custeio baseado-em-atividades pela sua
complexidade tem sido restrito a poucas empresas o que levou Thomas Johnson no
artigo Lean Dilemma (2006), a dizer “...o custeio ABC parecia
uma boa idéia naquele tempo, mas no retrospecto foi uma boa resposta a uma
questão errada. Hoje, enxergamos melhor....A questão é que os proponentes do
ABC deveriam procurar perguntar como organizar o trabalho para eliminar as
causas da atividade dos custos indiretos, e não como procurar meios de
distribuir os custos indiretos aos produtos...”. Nesse sentido esse autor
queria dizer que o custeio ABC seria não mais que um avanço da contabilidade
tradicional já que continuava a distribuir (ratear os custos indiretos), ao
contrário, ele propõe o combate às causas dos problemas e que seria a
organização lean como a Toyota o faz. Nessa forma de
organização, lean, isso seria evitado, pois, o custeio do fluxo de
valor atua na causa que gera os atuais problemas na determinação dos custos –
evita o rateio dos custos indiretos. No custeio do fluxo de valor não
existe a necessidade desse rateio, ou melhor, quando existe é absolutamente
mínimo. Nessa forma de custeio os custos diretos e indiretos, no seu
fluxo de valor, comportam-se como se diretos fossem. O custeio do fluxo de
valor seria uma resposta boa para uma questão correta, parafraseando Johnson.
Uma vez que
o inventário da empresa é baixo e sob controle, os custos de materiais do fluxo
de valor correspondem aos materiais comprados para o fluxo de valor.
Todas as compras já são realizadas descarregando no centro de custos do fluxo
de valor. O mesmo é feito para os suprimentos, ferramentas, e outros
custos. Eles são aplicados simplesmente ao centro de custos do fluxo de
valor ou são derivados do processo de contas a pagar. Outro aspecto que
mostra a simplicidade do sistema é que são poucos os centros de custos.
Ao invés de se ter um grande número de departamentos, a organização configurada
em fluxos de valor passa a ter poucos centros de custos por fluxo de
valor. A informação colocada no demonstrativo simples de resultados do
fluxo de valor é a real, refletindo o que está acontecendo naquela semana ou
mês. A receita é representada pela quantidade atual de faturas
processadas por produtos fabricados no fluxo de valor específico. A
eliminação de rateios de custo indiretos (o grande vilão da precisão dos
custos) faz com que as informações de custos e lucros sejam atuais e entendidas
por todos que trabalham no fluxo de valor, mesmo os nãos contadores.
Existem
algumas pessoas na organização ou na fábrica que não trabalham nos fluxos de
valor. Elas são pessoas que possuem tarefas não relacionadas diretamente
ao fluxo de valor, como contabilidade financeira, por exemplo, ou seu trabalho
atravessa todos os fluxos de valor como pessoal de suporte da qualidade como
ISO 9000 ou ISO14000. Esses custos e despesas associadas com esses grupos
de tarefas que não estão diretamente no fluxo de valor, não são rateados pelos
fluxos de valor. Eles são tratados como sustentação de custos dos negócios; ou
seja, eles são orçados e controlados, porém não são alocados. A única
alocação realmente admitida é o de suporte de facilidades, e o direcionador
usado é o metro quadrado que faz inclusive com que cada fluxo de valor procure
utilizar o menor espaço possível. Não existe, pois, lugar para o custeio
por absorção plena. Então, esses custos que não são reportados nos fluxos
de valor o são nos demonstrativos de L&P separadamente como custos de
sustentação ou outro nome.
A maior
parte das decisões pelas quais se faz necessário conhecerem os preços dos
produtos (decisão de fazer ou comprar, por exemplo) é feita no fluxo de valor
sem levar em consideração o custo dos produtos.
Decisões de
preços para organizações enxutas nunca foram feitas precisando do custo dos
produtos. A organização enxuta foca no valor criado para o cliente ou
para o mercado. É o valor ao cliente quem determina o preço. O valor para
o cliente não tem relação de causa e efeito com o custo do produto.
Considerando-se que os preços são determinados pelo mercado somente tem-se que
fazer outra pergunta em resposta a essa questão: Será que se está produzindo um
lucro nesse produto se ele for vendido a esse preço? É inútil, pois, determinar
a lucratividade apenas tomando-se como referência o produto. A abordagem
correta é olhar para o potencial do pedido e trabalhar o seu efeito na
lucratividade do fluxo de valor como um todo. Veja o exemplo mostrado na
tabela que segue:
Como pode
ser visto os custos padrões não influenciam necessariamente no desempenho do
fluxo de valor ou da célula, ou mesmo da fábrica como um todo. O exemplo
da tabela apresentada mostra a decisão de se aceitar um pedido novo de 20
unidades onde o custo de conversão se mantém, por supostamente o fluxo de valor
possuir capacidade para tal. A análise independeu do custo do produto, e
a tabela mostra que é maior a lucratividade com o novo pedido.
A decisão de
fazer ou comprar também remete à lucratividade do fluxo de valor como um
todo. Usando o custeio tradicional para tomar a decisão de comprar ou
fazer um item pode ser perigoso, isso por que esse custo provavelmente irá
levar a uma decisão errada. Se o fluxo de valor tem capacidade adicional
para fazer o item, então não existe razão financeira para fazê-lo fora no
fornecedor externo. O custo de fazer internamente é virtualmente nenhum porque
os custos das máquinas, do pessoal, e das facilidades já foram devidamente
pagos. Alternativamente, se não houver capacidade dentro do fluxo de valor, então
o custo de fazer o produto internamente será o custo de obter recurso adicional
para fazer o produto. Esses recursos podem ser simplesmente um custo de
horas extras adicionais, ou mesmo podem representar um investimento de capital
para aumentar a capacidade produtiva.
O mesmo
raciocínio se aplica quando se deseja analisar a rentabilidade de produtos ou
clientes. Não é necessário olhar para o custo individual de um produto.
Precisa-se sim, mirar no efeito da mudança na lucratividade do fluxo de
valor. Se uma determinada família de produtos é removida do fluxo de
valor, o que essa mudança traz na lucratividade total desse fluxo? De forma
semelhante, o efeito de remover determinado cliente é acessado no nível do
fluxo de valor, não no nível do produto individual ou do cliente.
A introdução
de novos produtos exige uma análise semelhante. Se existe capacidade disponível
dentro do fluxo de valor então a introdução de um produto novo irá crescer a
lucratividade do fluxo de valor pela contribuição daquele produto. A
contribuição é o retorno menos os custos diretos externos ao fluxo de valor. Os
materiais diretos externos ao fluxo de valor são justamente os materiais e
componentes requeridos, mas às vezes podem incluir outros custos de
processamento externo, ou outros serviços requeridos fora da companhia. Custos
de mão-de-obra e máquinas não estão incluídos na contribuição. Se o fluxo
de valor não tem capacidade disponível suficiente para fazer os produtos
adicionais, então a lucratividade do fluxo de valor é calculada levando em
conta o pessoal e máquinas necessários para atender a capacidade adicional
requerida.
Custos
padrões não são necessários para avaliar inventários. Quando lean é
introduzido, os níveis de inventário caem substancialmente. Se os níveis
de inventários são baixos então a valorização é bem menos importante de quando
eles são altos. Por exemplo, se o inventário é de três meses de demanda
de clientes, então é importante valorizar esse inventário de uma forma
detalhada, com o uso de custos padrões da contabilidade tradicional. Se o
inventário é menor que cinco dias de vendas, esse detalhamento já não é mais
necessário. E nesse caso de inventário baixo e sob controle diversos
métodos existem para calculá-los. Assim, podem-se utilizar formas de valorização,
como por exemplo, através de contagem, calcula-se o número de dias de vendas
que esse inventário representa, e multiplica-se esse número pelo custo diário
do fluxo de valor. Nesse caso contar inventário é rápido e fácil, porque
o inventário é baixo, e igualmente importante gerenciado visualmente.
James
Huntzinger (Lean Cost Management: Accounting for Lean by Establishing Flow,
2007) comenta, ainda, sobre a verdade com relação às práticas contábeis
geralmente aceitas, pois, muitos executivos financeiros e líderes ficam
relutantes em mudar as práticas tradicionais da contabilidade gerencial de
custos. Segundo ele existe uma falta de entendimento do que é necessário
e do que o sistema é capaz de fazer. As práticas contábeis geralmente
aceitas representam uma parte muito importante da contabilidade, e crítica para
manter os padrões básicos de forma a dar, às pessoas e às instituições,
informações valiosas e com a credibilidade necessária, para as tomadas de
decisões no mercado. Diz ele, ainda, que a verdade com relação às práticas
contábeis geralmente aceitas é que elas nada têm a ver com o sistema de
contabilidade gerencial de custos da empresa. Esse sistema é para as
tomadas de decisões internas enquanto que as praticas contábeis cobrem os métodos
e as tomadas de decisões externas ou financeiras. Huntzinger cita ainda
Orest Fiume e Jean Cunningham (Real Numbers: Management Accounting in a lean
Organization, 2003) que explicitam a realidade entre contabilidade lean e
as práticas contábeis geralmente aceitas, quando dizem: “Nada na contabilidade
gerencial lean viola as práticas contábeis geralmente
aceitas”.
Nos poucos
casos em que se torna necessária conhecer os preços dos produtos (preços de
transferência, exportação de produtos), e em sendo os produtos homogêneos,
simplesmente se utiliza o custo médio dos produtos dentro de seu fluxo de
valor. E se por acaso os produtos, dentro do fluxo, forem heterogêneos,
utiliza-se um critério que leva em conta as feições e características desses
produtos. Vale aqui a ponderação de James Huntzinger que faz uma interessante
análise entre precisão e acuracidade. Segundo ele a contabilidade tradicional
de custos produz informações de custos que são grossamente distorcidas. Diz que
o sistema é capaz de informar com cinco casas decimais, o que é totalmente
enganoso. Cita Orest Fiume que diz enfaticamente: “A maioria das
companhias ainda acreditam que conhecem os custos de seus produtos – até com
quatro casas decimais – o que é uma clássica confusão entre precisão e acuracidade”.
Assim, Orest Fiume e Jean Cunningham definem esses termos “Precisão é conhecer
a resposta até a terceira casa decimal. Acuracidade é a resposta correta
para a tomada de decisão que você está tentando fazer”.
A
contabilidade lean fornece o custo correto (acurado) da
família de produtos do fluxo de valor.
* Doutor em
Engenharia da Produção; Professor associado aposentado da UFRJ
Texto originalmente publicado em http://lean.org.br/artigos/151/contabilidade-enxuta---a-contabilidade-para-a-empresa-lean.aspx
Texto aqui publicado com alterações.