Por Flávio A. Picchi
Pesquisas realizadas pelo Datafolha mostram que desde 2008 a
saúde é apontada como o principal problema do país, sendo mencionada por 45%
dos pesquisados, estando bem à frente do segundo colocado, a segurança, que
obteve 18%.
São comuns idas e vindas entre consultas, exames, tratamentos e
internações, com enormes filas e esperas, mesmo no sistema privado. O custo é
extremamente alto para todos: indivíduos, famílias, empresas, governo.
A percepção evidente de tanta ineficiência e desperdícios no
setor levam a uma pergunta: a gestão lean, tendo nascido na manufatura e se
espalhado para os mais diversos setores, teria também contribuições a dar nesta
área tão sensível a todos nós?
A resposta é afirmativa e vem sendo dada por inúmeras aplicações
de sucesso em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o colapso
do sistema de saúde é também uma das principais preocupações, todos os 17
melhores hospitais do país de especialidades listados pelo US News & World
Report aplicam lean há mais de 6 anos.
Isso vem acontecendo porque os gestores comprovam, no dia a dia,
os benefícios concretos que essa mudança na gestão pode provocar. Lean está
fundamentado na excelência em qualidade, na contínua eliminação dos
desperdícios e na sistemática resolução de problemas. E pressupõe o engajamento
direto das pessoas envolvidas com o trabalho na busca de tais objetivos.
No Brasil, essa aplicação é mais recente e está ainda localizada
em algumas iniciativas pioneiras. Mas já começa a crescer a consciência a
respeito do assunto e mais organizações estão despertando para o imenso
potencial que se apresenta diante de nós. O Lean Institute Brasil tem
participado de diversas dessas iniciativas, o que tem trazido importantes
ensinamentos e reflexões compartilhados a seguir.
Valor para o paciente começa com a segurança
Erros podem ocorrer em várias etapas do processo, por exemplo,
na prescrição ou na separação de medicamentos, na troca de informações entre
pacientes, na limpeza dos leitos, na maneira como se organizam kits cirúrgicos,
na maneira como se planeja e executa a alta dos pacientes. O desafio lean está
em tornar esses problemas visíveis e desenvolver a habilidade dos profissionais
da área da saúde para resolver esses problemas.
Existem diversos exemplos de aplicação de ferramentas lean que
nos ajudam nesse objetivo, como poka-yokes (dispositivos à prova de
erros). Por exemplo, um software que avisa o médico sobre a perda de peso
anormal em pacientes em tratamento quimioterápico. A necessidade desse aviso
foi identificada no Instituto de Oncologia do Vale, de São José dos Campos
(IOV), através da adaptação de uma ferramenta bastante utilizada no
desenvolvimento de produtos na manufatura, a análise de modos de falha e
efeitos (FMEA).
Outro exemplo interessante utiliza o conceito de jidoka:
todo membro da equipe do Virginia Mason Medical Center de Seattle tem o poder
(e o dever) de interromper um processo caso identifique algum problema que
possa colocar em risco a segurança do paciente, o que desencadeia uma reação
imediata dos responsáveis clínicos e administrativos do setor.
Lean tem ajudado também a reduzir as taxas de infecção
hospitalar, parâmetro primordial para a segurança. Um mapeamento minucioso
feito por um grupo de melhoria do Pittsburg Regional Healthcare mostrou, por
exemplo, que os acessórios de higienização não estavam adequadamente
localizados, o que levava a falhas na higienização das mãos, apesar dos extensivos
procedimentos estabelecidos e campanhas de conscientização.
Diversas outras dimensões do que é valor para o paciente podem
ser identificadas, como, por exemplo, não enfrentar longas esperas, e ter seu
problema totalmente resolvido. O Dr. Carlos Frederico, em seu livro "Em Busca do Cuidado
Perfeito", exprime bem o que é valor para o paciente,
através de seis dimensões do cuidado: deve ser seguro, eficiente, eficaz, ágil,
centrado no paciente e justo.
Recursos escassos não podem ser subutilizados
As discussões sobre como resolver os problemas da saúde passam,
muitas vezes, pela alegada falta de recursos: faltam hospitais, equipamentos,
médicos, suprimentos etc., o que é uma realidade, em especial no sistema
público. Mas mesmo no sistema privado, problemas semelhantes mostram que a
capacidade não está sendo suficiente para atender a demanda.
Num ambiente como esse, subutilizar recursos é inadmissível.
A aplicação de princípios lean bastante simples pode trazer
ganhos de capacidade entre 20% e 40% sem investimentos.
Alguns exemplos:
- Aumento
da utilização de salas de cirurgia (um dos recursos mais nobres em um
hospital) de 20% a 30%, obtidos em diversos casos, através de melhorias no
fluxo de informação, preparo do paciente e da sala, fluxo do instrumental
etc.
- Redução
de 30% no tempo médio de permanência em pronto socorro, através de
melhorias na triagem, fluxos, gestão visual, trabalho padronizado etc.
- Aumento
da capacidade de atendimento de oncologia no IOV de 170% em 4 anos, sem
aumento de área nem de pessoas, reduzindo horas extras em 40%.
- Entrega
de novos pedidos de medicamentos pela farmácia do hospital durante
plantões, que era de 4h, passando para 12 minutos, no Intermountain
Healthcare de Utah.
Equipes motivadas prestam melhores serviços
As aplicações lean na saúde têm gerado grande motivação entre as
equipes envolvidas, resgatando o orgulho por melhorar o trabalho em equipe,
resultando em melhor qualidade do cuidado.
Mudanças como essa na maneira de trabalhar e outras melhorias,
como o aumento da segurança nos procedimentos que o lean traz para os
profissionais de saúde (da mesma forma que traz para os pacientes), têm
resultado, em alguns casos, reduções de até 67% na taxa de rotatividade de
colaboradores.
Saúde financeira também precisa melhorar
Muitas organizações do setor de saúde estão na UTI. A todo o
momento, lemos notícias sobre hospitais sob ameaça de serem fechados. Os custos
dos convênios particulares ficam cada vez mais proibitivos.
As aplicações lean na área da saúde têm também contribuído para
melhoria do aspecto financeiro, reduzindo custos, aumentando a produtividade,
reduzindo estoques, melhorando o fluxo de caixa, reduzindo não pagamentos por
erros em documentos, etc.
Somente organizações com equilíbrio financeiro podem prestar um
serviço de qualidade. Em vez de tradicionais cortes indiscriminados de custos,
o lean pode contribuir para esse equilíbrio pela melhoria de processos e
eliminação de desperdícios.
Melhorias significativas dependem de toda a cadeia de valor
Os casos mostraram resultados em diversas áreas:
prontos-socorros, centros cirúrgicos, centros de terapia intensiva, setores de
farmácia, ambulatórios, exames clínicos, laboratórios, processamento de guias,
faturamento etc. Mas ainda temos um longo caminho pela frente. Pouquíssimos
hospitais no Brasil despertaram para o poder que os conceitos e técnicas lean
pode ter diante da necessidade premente de melhorarmos a gestão no setor.
Os aprendizados acumulados com essas primeiras iniciativas criam
uma base para aplicações mais amplas no futuro, seja dentro das organizações,
seja conectando os diversos agentes. O avanço depende da articulação de
iniciativas entre todos envolvidos dessa complexa cadeia de valor: governos,
seguradoras, entidades mantenedoras, hospitais, universidades e associações médicas.
Somente assim poderemos, através do aprendizado coletivo,
melhorar o cuidado com a saúde em todas as suas etapas: prevenção, detecção,
diagnóstico, terapia e acompanhamento, otimizando e integrando todos os fluxos:
pacientes, familiares, provedores, medicações, informações, fornecedores e
equipamentos.
Flávio A. Picchi é Vice-Presidente do Lean Institute Brasil
Texto originalmente publicado em http://goo.gl/9bPHrL (http://www.lean.org.br)
Texto originalmente publicado em http://goo.gl/9bPHrL (http://www.lean.org.br)